17 de Nov de 2020 | Rafaela Botelho
“Os que se encantam com a prática sem a ciência são como os timoneiros que entram no navio sem timão nem bússola, nunca tendo certeza do seu destino.” Leonardo da Vinci
RESUMO
A física é uma ciência básica envolvida em tudo que nos rodeia. As leis da física regem movimentos, velocidade, força, inércia e atrito. As pesquisas nessa área podem ser grandes aliadas dos atletas nos esportes. Do ponto de vista físico é possível verificar a razão, cientificamente, de uma falha durante um salto, ou até mesmo o porquê de determinada variação da velocidade que deveria ser utilizada, e assim, é possível refletir em uma solução mais rapidamente e até mesmo mais eficiente do que apenas ir tentando realizar as acrobacias de várias formas diferentes. A altura dos saltos ou o momento angular dos giros podem ser definidos com base nas análises das leis da mecânica, de transformações da energia cinética, de potencial gravitacional quando a altura máxima é atingida, da rotação e até mesmo das leis da termodinâmica e hidrostática, que permitem os movimentos em cima do gelo.
A patinação tem sua origem na Europa, inicialmente como maneira de se deslocar, utilizada para atravessar os lagos e canais congelados no Inverno. Depois disso, a patinação começou a ser usada de forma recreativa, e assim os patinadores começaram a fazer desenhos no gelo usando as lâminas dos patins e tornaram da recreação uma competição. A partir das avaliações dos desenhos pela originalidade, complexidade e beleza, era escolhido o melhor deles; e foi então que surgiu o nome pela qual esta modalidade é conhecida atualmente: Patinação Artística. Para sua realização, o atleta deve se equilibrar nos patins e fazer acrobacias, normalmente com acompanhamento musical, que incluem giros, saltos e rodopios coreografados. As competições de patinação no gelo fazem parte dos Jogos Olímpicos de Inverno e se dividem em artística e de velocidade, mas aqui o foco será apenas na patinação artística.
Os patinadores não só realizam movimentos incríveis envolvendo força e agilidade, como também devem realizá-los de forma a parecer o mais gracioso possível, elevando seu corpo no ar e devendo chegar ao gelo suavemente. Quando vemos uma apresentação de patinação, sabemos que envolve múltiplos movimentos, incorporando rotações triplas e até quadruplicas em apenas um salto. Embora muitos patinadores possam fazer com que o esporte aparente ser fácil, executar saltos e coreografias perfeitos sobre uma superfície quase livre de atrito requer uma combinação bem precisa de força, velocidade, momento angular, fricção e tempo de execução. Nesse sentido, a mecânica dos movimentos está presente em todo momento, mostrando como a física está relacionada a um esporte que num primeiro momento nada parece se relacionar com leis e equações mecânicas.
A análise física dos movimentos realizados no esporte pode ser fundamental para a compreensão e o desenvolvimento das habilidades técnicas de um patinador. A posição do corpo durante o salto e sua velocidade de rotação, por exemplo, são fatores determinantes para executar o número de rotações necessárias e finalizar o salto adequadamente. Assim, parece muito importante determinar a relação entre a física (mecânica) e um esporte que vem cada vez mais se tornando popular que é a patinação artística no gelo.
Mesmo com a importante relevância da patinação no contexto mundial, a grande maioria das avaliações e intervenções são baseadas em experiência e conhecimento empírico e poucas suportadas por informações analíticas mecânicas. Não existem muitas investigações sobre a patinação artística no gelo com foco na compreensão dos movimentos. Embora o desenvolvimento das disciplinas de patinação incluírem a técnica apurada de deslize, pouco se estuda a forma dos movimentos e sua origem científica para melhora na atuação das coreografias, permitindo o aperfeiçoamento das acrobacias e o desempenho dos atletas na prática desportiva.
Pode parecer que não é verdade, mas é também pela hidrostática e termodinâmica que se explica a patinação no gelo.
Sabemos que as substâncias se apresentam na natureza de três formas diferentes, e sabemos que para cada uma existem pares de valores diferentes que correspondem a fase solida, a fase liquida e a fase gasosa. Quando se colocam esses valores em um plano cartesiano, onde se tem a pressão no eixo das ordenadas (y) e a temperatura no eixo das abscissas (x), se obtém, para um dado volume, o chamado diagrama de fases da substância. Esse diagrama é uma forma mais simples de mostrar como a pressão e a temperatura podem influenciar nas mudanças de fase de uma substância. No caso do gelo, ele é menos denso que a água, de modo que ao aumentar a pressão o volume diminui e o gelo passa ao estado líquido. No entanto, parte da água líquida que fica na parte de cima do fio volta a estar apenas sobre a pressão atmosférica e sua temperatura permanece abaixo de zero, voltando a congelar.
Algumas substâncias são ditas anômalas, pois fogem da regra de que quanto mais alta a pressão exercida sobre uma superfície, maior será a temperatura da mudança de fase.
Para essas substâncias, tal como a água, essa regra não se aplica, pois quanto maior a pressão sobre elas, mais baixa passa a ser a temperatura de fusão. Com isso podemos apresentar o diagrama de fases da água. Percebemos que a diferença entre os diagramas é que a linha da fase solida da água apresenta uma inclinação para a esquerda e vemos que quando a pressão é equivalente a uma (1) atmosfera, a fusão do gelo ocorre a 0°C, mas se aumentarmos a pressão, o gelo se funde a uma temperatura mais baixa.
Pela mecânica dos fluidos temos que a pressão exercida pela força sobre uma superfície é proporcional a sua intensidade e - o ponto mais importante aqui - é inversamente proporcional a área da superfície de contato, relacionada pela seguinte equação: p = F/A, sendo F a força exercida pelo patinador, e A a área de contato. Aqui vemos que, por conta da área mínima de contato entre os patins e a pista de gelo, ocorre uma alta pressão exercida no gelo.
Conectando o diagrama de fases da água com a forca exercida pelo peso do patinador, podemos concluir que, como os patins de gelo possuem uma fina lâmina, a pressão exercida por essa força no gelo o faz derreter somente onde está apoiado, e então o patinador consegue deslizar com facilidade, já que ele está na verdade patinando sobre uma fina película de água.
Porém, essa explicação não é totalitária, pois não é devido apenas ao peso do patinador sobre as lâminas que o gelo derrete, já que seria necessária uma pressão muito maior que a pressão atmosférica para poder diminuir o ponto de fusão do gelo em apenas 1ºC. A teoria que completa esse feito de deslize, é a de que há uma camada de moléculas de gelo na superfície que estão menos unidas do que as moléculas do gelo mais abaixo, sendo as mais superficiais as que estão em um estado semilíquido e interagem somente com as moléculas ao lado e abaixo delas. Essas moléculas são menos móveis do que a água líquida, mas estão mais livres que as moléculas da camada mais profunda abaixo no gelo, assim elas podem passar para o estado líquido em uma temperatura menor que a do ponto de fusão do gelo em alta pressão.
Uma patinadora girando em torno de um eixo vertical, em um giro no solo ou mesmo em um giro durante o salto, executa rotação. Podemos ver durante uma performance que os patinadores inicialmente preparam a rotação com os braços abertos, e depois giram com os braços fechados. Ao encolher os braços sobre o peito, nota-se que a sua velocidade angular aumenta consideravelmente. Aqui pode-se perceber ao menos que a distribuição de massa do corpo no espaço afeta a rotação, mas de que forma isso acontece?
Primeiramente é preciso saber o que é ‘momento’. Quando aplicamos uma força em algo, o damos um determinado momento, chamado de momento linear ou Quantidade de movimento, e é dado pelo produto da massa pela sua velocidade: Q = m . v ; tendo sua direção e sentido de sua velocidade vetorial. Para existir o "momento angular", o movimento aplicado sobre o sistema tem que ser rotativo, em relação a um eixo de simetria.
Assim, o segredo do movimento rotacional ao girar não está apenas na ação que os patinadores fazem sobre os patins, mas pode ser explicado pelo momento angular, que está relacionado com o momento linear de um corpo e com a sua rotação. No caso dos patinadores, como as únicas forças que sobre eles atuam são a força gravitacional e a reação do chão, forças essas que são simétricas, verifica-se que o momento angular é constante. Estando então, nas condições da Lei da Conservação do Momento Angular, que nos diz que: "Quando a soma dos momentos das forças exteriores aplicadas a um sistema é nula, o momento angular do sistema permanece constante".
Considerando que a quantidade de movimento se mantém constante, e que durante o giro há modificação da distribuição de massa em relação ao eixo de rotação dos patinadores, e que a velocidade com que eles giram em torno desse eixo sofre uma variação, o que ocorre é que ao fecharem os braços, diminuem o vetor posição, o que implica que tenham que ganhar velocidade, para que o momento angular permaneça constante. Vale ressaltar que não é a massa em si que afeta a velocidade angular da patinadora, mas a distribuição da massa do seu corpo no espaço.
Relacionando os movimentos realizados durante o giro, com os braços fechados a massa está mais concentrada em relação ao eixo vertical, e a velocidade de rotação é maior, mas com os braços abertos, o contrário ocorre, ou seja, a massa está mais dispersa e a velocidade de rotação é menor. Para a patinação artística menor velocidade de rotação significa menos giros, e então menor pontuação.
A grandeza que leva em conta a distribuição de massa de um corpo em relação ao eixo de rotação é chamada de momento de inércia ou inércia rotacional do corpo (J). Esse momento mede a resistência do corpo à variação de seu estado de rotação em torno de um certo eixo. Quanto mais próxima a massa estiver do eixo de rotação, menor será o momento de inércia; assim o momento de inércia (que é contrário ao movimento de giro) dos patinadores em relação ao eixo de rotação é menor com os braços fechados do que com eles abertos. Ao começar a girar com os braços fechados, maior será o módulo da velocidade de rotação (w), ou seja, a velocidade angular é maior. O produto do momento de inércia pela velocidade de rotação permanece constante durante a rotação e é chamado de momento angular (L), dado por L = J . w .
Dando ênfase na inercia rotacional afim de clarear o entendimento, para o movimento retilíneo, a inércia está relacionada com a massa do objeto, mas no movimento rotacional algo mais deve ser levado em consideração. É muito mais difícil fazer uma determinada massa m girar em torno de um eixo, se ela estiver mais afastada do mesmo, do que se estiver próxima a ele. A inércia rotacional (J) de um objeto de massa m, girando a uma distância r em volta de um eixo (como no caso da distância dos braços ao eixo) é dada pela expressão J = m . r².
Note que a inércia rotacional aumenta com o quadrado da distância ao eixo, então se você dobrar a distância de uma massa ao seu eixo de rotação, você quadruplicará o momento de inércia. Isto explica por que uma mudança tão pequena na posição dos braços e pernas do patinador exercem um enorme efeito em sua velocidade rotacional.
O outro parâmetro movimento rotacional é a velocidade angular (w), que é a taxa de rotação expressa em radianos por segundo (rad/s), rotações por minuto (RPM) e outras unidades. Uma rotação completa vale 2π radianos, logo uma revolução por segundo em unidade de velocidade angular é 2π rad/s, sendo sua fórmula w = Δφ / Δt , onde Δφ é a variação do deslocamento angular e Δt é a variação do tempo. Dessa forma, representamos matematicamente que uma maior velocidade angular significa uma maior quantidade de rotações.
CIP - Catalogação na Publicação
Botelho, Rafaela
A Física na patinação artística: Um estudo do movimento e conservação de momento / Rafaela Botelho. - 2020.
48 f. : il. color
Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) apresentado ao Instituto de Ciência Exatas e Tecnologia da Universidade Paulista, Campinas, 2020.
Área de Concentração: Física - mecânica. Orientador: Prof. Reginaldo B. Ferreira.
1. A física na patinação artística no gelo. 2. Mecânica dos Movimentos. 3. Centro de massa e rotação. I. Ferreira, Reginaldo B. (orientador). II.Título.